Viaduto de Millau

Julio Cesar Almeida
7 min readAug 5, 2022

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Depois dos espanhóis e brasileiros, talvez a nacionalidade que eu tenho mais contato aqui em Barcelona são os franceses. Isso não por um acaso, já que a cidade de Barcelona, e a Catalunha como um todo, foi extremamente influenciada pela França durante sua história. Tanto que muitos catalães usam a palavra merci como parte do seu vocabulário e também sabem fazer croissants muito bem.

Dentre muitos franceses que eu conheço aqui, está o Dominique, amante das corridas populares e talvez a única pessoa que eu conheço que quer ir ao Brasil para conhecer Brasília. É que além de corrida ele também ama arquitetura e é fã de Oscar Niemeyer. Outra obra arquitetônica que ele também ama é Viaduto de Millau, uma ponte suspensa com mais de 340m de altura perto da pequena cidade de Millau. Eu fui conhecer essa ponte quando Dominique me convidou para me unir a ele e outros amigos numa viagem para participar de uma corrida com um percurso único em que passamos por cima desse viaduto tão icônico.

Viaduto de Millau — https://www.instagram.com/courseviaducmillau/

La Course Eiffage du Viaduc de Millau é uma corrida muito local mas que atrai cerca de 20 mil participantes. Me explicava Dominique, que antes desse viaduto os carros que viajavam do norte ao sul da França tinham que passar todos pela pequena cidade de Millau, provocando um caos e horas e horas de congestionamento. Então após a construção desse viaduto os carros passaram a saltar a pequena cidade, e com isso Millau foi caindo no esquecimento e ninguém parava mais por ali. Um dos responsáveis pela construção da ponte queria compensar isso de alguma forma, e como também era corredor, resolveu organizar essa corrida a cada 2 anos em que os participantes saíssem de Millau e subissem até o viaduto para correr em cima dele, dando a volta, e descendo até a cidade novamente. O evento desde então é um sucesso e a cidade voltou a ser lembrada pelos franceses, mas dessa vez de forma muito positiva.

Quando Dominique me contou sobre essa corrida eu fiquei animado e não pude recusar o convite. Adoro esse tipo de experiências que une esporte e boas histórias, além do fato da corrida ser desafiante com seus 24km e uma subida bem dura acumulando mais de 424m de elevação. E também tenho que admitir que sempre gostei de correr em território francês, que são apaixonados pelo esporte e pelas corridas e sempre criam uma boa atmosfera.

Para começar essa experiência única e autêntica, ficamos hospedados em um hotel que era um castelo, no alto de uma colina, com vistas justamente para o viaduto. Fomos dormir encarando nosso desafio do dia seguinte. Alguns tiveram pesadelos até, afinal o viaduto era realmente intimidador, e mesmo de longe dava respeito ao ver toda a magnetude daquela obra. No dia da prova saímos bem cedo para encontrar algum café e comermos algo antes da prova. Chegando na cidade e já dava pra sentir o clima, parecia que haveria mais corredores do que moradores naquele dia. E de fato, na edição com mais participantes isso aconteceu, afinal Millau tem cerca de apenas 20 mil habitantes.

Jardim do Hotel em que ficamos hospedados

Começamos a nos posicionar para a largada. Nos apertamos todos dentro dos curráis e não havia espaço para mover os braços sequer. Os animadores da prova começam a preparar os corredores para a largada e pouco a pouco aquele exército vai avançando. Chega a minha vez de cruzar a linha de início mas pouca coisa muda, continuamos avançando bem devagar. Havia tanta gente que era impossível correr, o jeito era ir alternando entre trotar e correr e ir saltando entre os poucos espaços que havia. Eu já participei de corridas com número semelhante de participantes, mas dessa vez parecia que a cidade não tinha espaço para toda essa gente.

Aos poucos fomos saindo da cidade e avançando em direcão à subida ao viaduto. Depois de sair completamente da cidade temos um caminho por uma estrada com mais espaço e que já vamos ganhando um pouco de elevação. Nessa parte também é possível apreciar bonitas vistas para o viaduto, que dali debaixo parece ter uns 1000m de altura. Nessa parte eu queria ter levado o celular comigo porque era realmente bem legals as vistas por ali, e um pouco assustador também. Depois de uns 5km vem a parte mais dura, após uma curva o caminho se estreita, e começamos a subir um longo zig-zag bastante inclinado e um pouco estreito para o número de pessoas que havia ali. Nessa parte também tem um problema que muitas pessoas começam a caminhar ou até parar completamente para pegar um ar. É inevitável se trombar um pouco nessa parte, e apesar de ser um pouco incômodo ter pessoas parando do nada na sua frente, eu me sentia bem em manter um ritmo estável e seguir correndo nessa parte. Quando cheguei no final da subida meu batimento estava altíssimo e sentia o coração sair pela boca. Passo pela primeira estação de hidratação, o sol já começa a ficar mais forte, pego água para beber e também para jogar no corpo, que estava em chamas com aquela subida toda.

Após um pequeno descanso de subidas, chegamos de frente para o viaduto, a grande estrela desse evento. Entramos por uma ponta e então são 3km até chegar ao outro lado, quando damos a volta e corremos mais 3km em direção oposta, suspensos a 340m de altura. A primeira parte ainda temos que ganhar um pouco de elevação, e essa parte parece eterna, mas a medida que vamos nos aproximando já é possível escutar um público que estava ali para apoiar os corredores. Quando chego próximo a eles é impossível não acelerar o passo, as pessoas ali estavam transmitindo uma energia incrível, havia banda, cartazes e muito barulho. Ali também havia uma barreira feita com caminhões guinchos da prefeitura, que pelo o que me contaram era uma maneira de evitar que algum carro avance pelo viaduto para cometer um ataque terrorista durante o evento. Os franceses são um pouco paranóicos com terrorismo, e talvez realmente tenham seus motivos. A volta no viaduto é maravilhosa, a pouca inclinação negativa já te permite alcançar bons ritmos, é hora de começar a soltar pernas e voar.

Após deixar o viaduto para trás ainda há uma pequena rampa, mas depois disso são 10km de descida até o final. Pego água, jogo por todo meu corpo, o calor nesse momento já deve estar perto dos 30 graus. Agora é administrar a velocidade para não passar muito do limite e se hidratar bem que a parte mais dura já foi. Então começo a pensar que seria legal terminar essa corrida abaixo de 2h. Começo a descida forte, e a cada posto de hidratação é uma garrafa para beber e outra pra tomar um banho. A descida é exposta, e o calor vai aumentado chegando nos 30 graus, mas pelo menos a subida ficou na primeira parte. Conforme vamos nos aproximando da cidade o público também vai se fazendo mais presente, algumas bandas pelo caminho, e muitos moradores saem na rua para apoiar, alguns com mangueiras para jogar água nos corredores. A cada casa que havia uma mangueira eu tirava meu boné e abaixava a cabeça para que jogassem água, os moradores então apontavam bem para o meio da minha cara e mandava um jato. Essa resfriada no corpo foi me dando ainda mais força na descida, fui ficando animado, e desci por aquelas ruas com sorriso no rosto e um ritmo bem forte.

Segunda parte em cima do viaduto já perdendo desnível

Ao chegar de volta à cidade eu estava rindo a toa em ver toda aquela atmosfera e como os moradores saíam todos às ruas para fazer parte daquela festa. A chegada é em um bonito jardim bem no meio da cidade. Cruzo a linha de chegada e olho para o relógio, 1:59h, abaixo de 2h como eu previ. Não posso pedir mais nada dessa corrida, me sinto completamente agradecido por estar ali. Eu termino completamente encharcado, de suor e de jatos de água.

Volto para o hotel, tomo banho, olho para o viaduto pela última vez antes de sair dali. O viaduto agora já não dá medo, apenas traz boas lembranças, mas ainda com respeito. Assim como a cidade de Milau já não representa mais caos para os franceses, e sim diversão. Coisas que o esporte costuma fazer, transformar pessoas e também lugares. Agora eu posso dizer que conheço o viaduto, e já pisei ali. Antes de partir, ainda paramos em um restaurante bem autêntico, comemos um bom aligot, bebemos vinho e conversamos sobre a corrida. Não vejo a hora de voltar a França para correr. Merci, Millau.

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Julio Cesar Almeida
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Written by Julio Cesar Almeida

Cresci em Barra Mansa, interior do Rio de Janeiro. Meu primeiro contato com desenvolvimento web foi aos 13 anos. Atualmente vivendo e trabalhando em Barcelona.

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